A TV BRASILEIRA
desde 1950...
Muito do que se condena na televisão brasileira como sendo obtuso, reacionário ou malfeito é apenas popular, demasiadamente popular. A televisão foi implantada no Brasil em 1950, mas durante muito tempo aparelhos de TV foram privilégio das classes alta e média. No início da década de 60, no interior do país, então predominantemente rural, apenas os mais ricos possuíam um televisor.
Nas salas de visita, os enormes aparelhos ocupavam lugar de honra, ao lado da vitrola, e vizinhos e parentes menos favorecidos eram convidados a compartilhar parte da programação noturna com o vaidoso dono de uma TV.
As salas de visita eram arranjadas como pequenos cinemas domésticos da classe média (algumas cidades interioranas, nos anos 60, tinham um ou até dois cinemas, que em breve iriam fechar as portas). E, nas salas provincianas, seguindo o sistema colonial, as empregadas costumavam sentar ao fundo, em cadeiras ou bancos, enquanto os patrões e seus convidados se ajeitavam para assistir aos programas em poltronas de plástico (o plástico se espalhara como moda no Brasil, e houve até casos de famílias que trocaram todo o seu mobiliário tradicional por peças plastificadas).
Nesse tempo, os pobres dormiam cedo, depois de ouvirem o rádio. E nos domingos se arrumavam com esmero para o passeio na praça e a missa, para eles os principais programas de fim-de-semana no país de estrondosa maioria católica.
Em 1970, quando se fez a primeira transmissão de TV em cores no Brasil (Copa do Mundo do México, com o Brasil Tricampeão), pela EMBRATEL, em caráter experimental e fechado, para um público seleto, iniciando uma nova divisão social entre os que podiam trocar seu velho aparelho pelo colorido e os que tiveram que manter a relíquia em preto-e-branco. Já ia então à larga o “milagre brasileiro’’, e os jogos da Copa do Mundo no México, primeiro programa a ser exibido em cores no Brasil, foram também o primeiro congraçamento patriótico da raça feito pela TV.
Em 19 de Fevereiro de 1972, foi realizada a primeira transmissão pública de TV em cores, com programação produzida no Brasil, a Festa da Uva, em Caxias do Sul - RS.
Prefeitos demagógicos mandaram instalar televisores nas praças públicas - e alguns deles chegaram mesmo a comprar TVs coloridas, o que levou às ruas todos aqueles que não possuíam uma, curiosos com a surpreendente imagem em cores. Mesmo com o novo aparelho, de vez em quando as transmissões “caíam’’, e os lugares passavam sem TV, ou sem alguns dos canais, por longos dias.
No início da década de 80, antenas começaram a se espalhar no teto das favelas. Os jornais e revistas reproduziam a imagem em fotos repetitivamente artísticas, diante das quais havia sempre alguém que entoava, moralista: “Veja só. Eles não têm o que comer, mas têm televisão’’.
A TV já não era regalia social no Brasil. E os mais pobres passavam a ser espectadores daquelas imagens que durante as últimas décadas visaram satisfazer sobretudo a classe média brasileira - a mesma que fora o sustentáculo moral do governo militar em seus 20 anos.
Com o Plano Real, em 1994, ocorreu a explosão das vendas de aparelhos de TV, agora com o controle remoto, ampliando largamente o consumo televisivo das classes D e E e pondo em crise um certo modelo de representação e exibição. Só em 1996, foram vendidos 8 milhões de televisores no Brasil.
A popularização dos programas foi inevitável, a fim de agradar a nova maioria estatística. As classes economicamente superiores, por seu lado, migraram para as TVs pagas, colocando-se num outro patamar de distinção social. E as emissoras abertas ficaram entregues ao “povo’’.
Hoje, os programas populares dão muitas vezes a medida do Ibope - e, nesses casos, saem à frente na audiência as emissoras que conseguem ter maior empatia com a emoção ordinária. A guerra de audiência entre Gugu e Faustão, por exemplo, espelha esses conflitos - não apenas diante dos espectadores, mas nos bastidores das emissoras- entre a maior e a menor empatia popular. Aqui, o vitorioso poderá ser Gugu, e a derrotada, a Globo.
No período histórico descrito, a Rede Globo se fez a emissora hegemônica no Brasil. E recebeu uma função, do ponto de vista social, mais ou menos equivalente à do cinema hollywoodiano nos EUA (entre os anos 10 e 50): propagar nacionalmente representações de vida e comportamento de classe média que iriam constituir o imaginário dominante do homem comum.
Diferente do caso norte-americano, contudo, no Brasil a idealização se fez sem a contrapartida concreta de incorporação das classes baixas aos benefícios da democracia e da riqueza nacional. A dificuldade da Globo, hoje, em relação aos programas “populares’’ é a mesma que ela tem de aceitar que o seu projeto audiovisual não adquiriu a dimensão “civilizatória’’ pretendida: foi muito mais um instrumento ideológico a serviço das sucessivas formas de segregação social no país.
Hoje, a emissora luta bravamente contra o seu sucateamento e o populismo que predomina na maior parte das demais emissoras. Mas na maioria das vezes sua reação ao “popular’’ não passa de arrogância remanescente e de preconceito “classe média’’ em relação a um público que durante décadas assistiu TV no fundo da sala de visitas do Brasil.
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